Agente Neural Popperiano

 

João Paulo Schwarz Schüler
Luis Otávio Campos Alvares (orientador)
jpss@schulers.com

Resumo

O objetivo geral da dissertação é colaborar com a solução da questão: " máquinas podem ter ou manifestar consciência?". Para alcançar tal objetivo, estão sendo estudadas propostas para o entendimento da consciência por diversos autores. Daniel Dennett propõe um modelo de evolução da inteligência das "criaturas" ao longo da evolução das espécies. Ao comparar a definição da criatura popperiana proposta por Dennett com as idéias sobre consciência de António Damásio e Gerald Edelman, observa-se que a criatura popperiana já tem algum nível de consciência. É objetivo do presente trabalho implementar uma criatura popperiana usando-se conhecimentos de redes neurais artificiais e sistemas multiagentes.

 

1. INTRODUÇÃO

A possibilidade de construção de um computador ou de uma máquina consciente não é uma questão resolvida na ciência. Diversos cientistas e filósofos importantes não concordam entre si em relação a possibilidade de consciência artificial. Para Roger Penrose, a apropriada ação física do cérebro provoca consciência; porém, essa ação física não pode ser propriamente simulada computacionalmente[9]. Sendo assim, Penrose afirma que existe pelo menos um sistema físico que não pode ser simulado computacionalmente: o cérebro.

Por outro lado, no artigo Simulating Physics with Computer[5], o ganhador do prêmio Nobel de física Richard P. Feynman sugere que todo sistema físico pode ser simulado computacionalmente. Sendo assim, sem se dar conta, considerando que o cérebro é um sistema físico, Feynman está sugerindo que o cérebro pode ser simulado computacionalmente.

Também recebedor do prêmio Nobel, Gerald M. Edelman não acredita que o cérebro seja um computador [3]. Edelman acredita que uma máquina de Turing não descreve corretamente a evolução ou a ação do cérebro. Uma máquina de Turing pode descrever alguns aspectos do cérebro; porém, não pode representar o que o cérebro faz. Nesse ponto, provavelmente sem saber, Edelman discorda de Feynman considerando que para Feynman todo sistema físico pode ser simulado por uma máquina de Turing. Sendo assim, são dois cientistas premiados com o prêmio Nobel discordando entre si.

Marvin Minsky pode dar importante contribuição para a discussão sobre máquinas conscientes. Para Minsky [8], não apenas máquinas podem ter consciência como também cérebros são um tipo de máquina. As posições de Minsky e Penrose são marcantemente distintas. Minsky pergunta e responde :

"As mentes são entidades particulares possuídas apenas por cérebros como os nossos, ou podem tais qualidades serem compartilhadas por todas as coisas? Parece-me que o esquema dual de mundo cria mistérios e leva a problemas maiores ...".

Construir neurônios artificiais de funcionalidade próxima a dos neurônios naturais é reconstruir artificialmente as unidades de processamento encontradas no cérebro[4]. Considerando que a consciência humana emerge da fisiologia e da morfologia do cérebro [6,7], construir neurônios artificiais é reconstruir a unidade funcional da qual a consciência emerge. Na bibliografia de neurociência [7], encontra-se a expressão sugerindo que a funcionalidade dos neurônios pode ser reproduzida artificial e fielmente:

"As propriedades funcionais do neurônio podem ser representadas por um circuito elétrico equivalente "[7].

 

2. CRIATURAS DE DENNETT

No presente tópico, será abordada a visão de Dennett para a evolução da inteligência ao longo da evolução das espécies encontrada no capítulo 4 do seu livro Tipos de Mentes [2]. Para Dennett, os sistemas de coleta de informação são compostos por um grande número de detectores. Cada detector detecta um determinado evento produzindo resposta do tipo SIM ou NÃO para a pergunta "percebo o evento agora?". Células individuais da retina do olho humano são detectores. Cada detector apresenta a sua intencionalidade mínima: a intencionalidade de detectar um tipo muito específico de evento.

Como os agentes se organizam em sistemas mais complexos capazes de sustentar tipos de intencionalidade cada vez mais sofisticada? Dadas várias opções de organizações geradas por mutações, as melhores serão selecionadas por seleção natural. Dennett chama essa geração e seleção de Torre de Gerar e Testar. A Torre de Gerar e Testar é um modelo muito simplificado no qual pode-se classificar várias opções de organização de cérebros para estudar onde o seu poder se origina.

No início da evolução, diversos tipos de criaturas foram gerados por mutação. Os tipos melhor adaptados foram selecionados pelo ambiente. Nesta etapa da evolução, as criaturas não tem memória do passado e nenhum tipo de aprendizado. Para essas criaturas, a única possibilidade de alteração do comportamento é mutação genética durante a reprodução. Essas criaturas são chamadas de criaturas darwinianas e estão inteiramente definidas no momento do nascimento. As criaturas darwinianas constituem a base da Torre de Gerar e Testar.

Durante a evolução, apareceram as criaturas com a propriedade da plasticidade fenótica chamadas de criaturas skinnerianas. As criaturas skinnerianas não estão totalmente definidas no momento de seu nascimento e podem se modificar durante a sua vida.

As criaturas skinnerianas testam ao acaso diversas ações. As ações que resultarem em sucesso serão reforçadas. As criaturas devem avaliar as suas ações para medir o seu sucesso e então reforçar ou não as suas ações. As criaturas que tiverem melhores métodos de avaliação terão mais chances de sobrevivência.

O reforço de algumas ações sob determinadas condições em detrimento de outras ações é um tipo de aprendizado que Dennett chama de aprendizado ABC. O aprendizado ABC é resultado de um processo longo de treinamento e freqüentemente encontrado em animais. Uma característica importante do aprendizado ABC é que ele é resultado de tentativa e erro de ações. Muitas tentativas são feitas e as que resultarem em sucesso são reforçadas. O perigo do aprendizado ABC é a realização de uma tentativa que provoque dano sério ou a morte do indivíduo. O aprendizado ABC não possui nenhum sistema de predição de ações não testadas que provoquem a morte do indivíduo. Sendo assim, a criatura skinneriana pode fazer uma tentativa e acabar morrendo.

Para evitar a morte da criatura em uma tentativa perigosa, um sistema de predição de conseqüência de ações evoluiu. As criaturas que possuem esse sistema de predição são chamadas de criaturas popperianas e formam a próxima classe de criaturas a serem estudadas no presente texto na Torre de Gerar e Testar.

As criaturas popperianas constroem dentro de si um modelo de mundo com base nas suas percepções ao longo de sua existência. Sendo assim, a criatura popperiana pode realizar simulações no seu modelo de mundo e avaliar as conseqüências antes de realizar as ações do mundo real. Quando uma criatura faz algo que resulta em insucesso ou sucesso no seu modelo de mundo, a simulação deve gerar algum tipo de dor ou prazer respectivamente. Esta dor ou prazer é a avaliação da ação ou conjunto de ações experimentadas no modelo de mundo.

Ações testadas no modelo de mundo competem entre si. As ações vencedoras na avaliação da criatura tem mais probabilidade de serem usadas no mundo real. As criaturas popperianas sentem medo de certas situações apresentadas tanto no modelo de mundo quanto no mundo real. O medo faz com que muitas ações perigosas sejam descartadas no modelo de mundo antes de serem testadas no mundo real.

Acima da criatura popperiana, no estágio mais alto da Torre de Gerar e Testar, está a criatura que tem cultura: a criatura gregoriana. A cultura é uma forma de transmitir o conhecimento aprendido de uma geração para outra. As criaturas gregorianas sabem manipular e construir ferramentas, usar e construir linguagem, armazenar informação fora do cérebro, perceber o trabalho em equipe e perceber a própria existência entre outras características que não serão observadas aqui. Os seres humanos enquadram-se nas criaturas gregorianas.

 

3. INTELIGÊNCIA DO AGENTE POPPERIANO

No tópico anterior, foi estudada a criatura popperiana. Com base na criatura popperiana, pretende-se construir um agente com as mesmas características da criatura popperiana. A criatura popperiana deve prever eventos e testar ações no seu modelo de mundo interno antes de agir no mundo real. O modelo de mundo do agente baseia-se simplesmente no relacionamento entre eventos que ocorrem no passado e no futuro.

Sabendo relacionar eventos que ocorrem em pontos diferentes no tempo, o agente pode prever o futuro. Sendo assim, apenas para efeito de exemplo, um agente popperiano pode aprender que o evento "chutar pedra" provoca o evento "dor".

Para que o agente consiga relacionar eventos, usa-se uma rede neural com aprendizado de Hebb. O aprendizado de Hebb em neurônios pode ser descrito na forma que segue: em dois neurônios A e B conectados por uma sinapse S que leva o sinal de A para B, a sinapse S é reforçada sempre que A participe excitatoriamente no disparo de B.

Para efeito de exemplo, supondo-se que: (1) o evento A provoca a ocorrência do evento B em pouco tempo; (2) a ocorrência dos eventos A e B provocam o disparo dos neurônios A e B respectivamente; (3) existe uma sinapse excitatória que inicialmente é fraca entre A e B. Com o passar do tempo, por aprendizado de Hebb, a sinapse que liga os neurônios A e B ganha força e dispara o neurônio B antes que o evento B ocorra. Este é o método que se espera usar para permitir que o agente preveja eventos no futuro. O aprendizado de Hebb deve relacionar ações com prazer ou dor no agente skinneriano e relacionar o passado com o futuro no agente popperiano.

O agente popperiano percebe eventos e pode executar ações. As ações também são eventos. A rede neural é usada para prever eventos. O sistema de predição de eventos é feito por rede neural; porém, não é necessário que todo o comportamento deva ser implementado por rede neural artificial. Os instintos não são modelados por rede neural. O agente deve ter uma estrutura geral que funcione em qualquer ambiente. Não é modelada a percepção e nem o tipo de ações possíveis. O agente deve perceber eventos do tipo "ocorre evento A" ou " não ocorre o evento A" podendo agir com base na percepção de eventos ou com base na predição de eventos. De certa forma, modela-se aqui a inteligência e não o corpo.

Supondo uma rede neural com centenas de neurônios, é inviável ligar cada neurônio com todos os outros. Quem determina onde conectar neurônios por sinapses é o algoritmo de otimização. O algoritmo de otimização utilizado é um algoritmo baseado no período inicial da evolução darwiniana onde ainda não existia sexo existindo somente reprodução, mutação e seleção.

 

4. PROTÓTIPO

Conforme sugere o título, pretende-se construir um agente dotado de rede neural artificial popperiano. Encontra-se em avançada fase de implementação um pequeno protótipo do agente popperiano. Para implemetar o protótipo, é necessário modelar: o mundo em que os agentes habitam, os agentes, o algoritmo de otimização usado e a estrutura da rede neural. O mundo dos agentes é um plano quadrado de 900 células com 30 células de lado. Diversos agentes podem habitar a mesma célula ao mesmo tempo. A posição que um agente pode ocupar no mundo é representada por um par de números inteiros indicando uma coordenada de célula no plano.

Existem dois tipos de agentes: predadores e presas. O objetivo dos predadores é estar o mais próximo possível do agente presa. No modelo, existem quatro predadores e uma única presa. Cada agente percebe a posição de todos os outros agentes no mundo. Existe possibilidade de que emerja trabalho cooperativo entre os predadores com a evolução. As ações dos agentes limitam-se a apenas 4 movimentos para as quatro posições adjacentes no mundo plano. O tempo de vida de cada agente deve ficar entre 20 e 100 ciclos de execução. Em cada ciclo, o agente pode tomar uma única ação.

 

5. CONCLUSÕES

As criaturas popperianas tem a capacidade de prever eventos usando o seu modelo de mundo. Antes de agir, a criatura popperiana pode simular a ação em sua mente para então decidir se vai ou não agir. De certa forma, a criatura popperiana imagina uma ação e suas conseqüências antes de agir.

Para António Damásio [1], criar imagens na mente é uma característica básica da consciência e por si só já é um tipo muito simples de consciência. De forma mais ampla, Gerald Edelman[10] entende que qualquer tipo imaginação e não apenas a geração de imagens na mente é um tipo simples de consciência.

No universo biológico, o neurônio é a unidade funcional da qual emerge a consciência. Usando-se (1)redes neurais artificiais, (2)um algoritmo de otimização que lembra a evolução darwiniana, (3)o modelo de evolução da inteligência de Dennett e (4)estudos sobre o tema da consciência, pretende-se criar um agente que apresenta características esperadas para um ser consciente primitivo: o agente popperiano.

Os próximos passos a serem dados são: (1) comparar as criaturas de Dennett com o conhecimento que se tem na área de sistemas multiagentes e (2) estudo mais aprofundado sobre consciência.

 

AGRADECIMENTOS

Agradeço à CAPES pelo investimento a mim conferido.

 

REFERÊNCIAS

[1] DAMÁSIO, António R. O Mistério da Consciência. Companhia das Letras. São Paulo. 2000.

[2] DENNETT, Daniel C. Kinds of Minds. Basic Books, NewYork, 1996.

[3] EDELMAN,Gerald; REEKE, George N. Neural Darwinism. Natural and Artificial Parallel Computation. MIT Press. 1990. p. 211-250.

[4] FREEMAN, James A; SKAPURA, David M. Redes Neuronales. Addinson-Wesley. 1991. p.1-92

[5] FEYNMAN, Richard P. Simulating Physics with Computers. International Journal of Theoretical Physics. 1982. v. 21 n. 6-7, p. 467-488.

[6] GUYTON, Arthur C. Neurociência Básica. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro. 1991. p.5, 84-88.

[7] KANDEL, Eric R. SCHWARTZ, James H. JESSEL, Thomas M. Fundamentos da Neurociência e do Comportamento. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro. 1997. p.5-33, 110-160.

[8] MINSKY, Marvin. MINDS ARE SIMPLY WHAT BRAINS DO. Telling the Truth Project. Disponível por WWW em http://www.leaderu.com/truth/2truth03.html . (4, maio, 2001)

[9] PENROSE, Roger. Shadows of the Mind. Oxford University Press. New York, 1994. p. 101.

[10] SEARLE, Jhon R. O Mistério da Consciência. Paz e Terra. São Paulo.1998. p.65-76